Texto mantém exigência de doação ao SUS, mas permite que firmas usem cota privada enquanto governo ainda vacina grupos prioritários. Projeto ainda será analisado pelo Senado.
A Câmara dos
Deputados aprovou nesta terça-feira (6) o texto-base de um projeto que autoriza
empresas privadas a comprarem vacinas contra a Covid para imunizar os
funcionários.
Na prática, a principal mudança do texto é retirar a exigência, atualmente prevista em lei, de que as empresas só possam começar a vacinação própria após a imunização dos grupos prioritários pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O texto também permite a compra de imunizantes autorizados por agências estrangeiras reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo que não tenham registro ou autorização da Anvisa.
Para a conclusão da votação, os deputados precisam analisar os destaques, isto é, sugestões de alteração no texto. Em seguida, a matéria vai ao Senado.
O texto conta com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – que, na semana passada, defendeu a mudança ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Segundo Lira, a iniciativa privada pode dar mais agilidade ao processo de vacinação no país. Veja o que diz o presidente da Câmara no vídeo abaixo:nquanto governo ainda vacina grupos prioritários. Projeto ainda será analisado pelo Senado.
Mais cedo, o plenário
aprovou requerimento de "urgência urgentíssima" para o projeto,
liberando o texto para votação no mesmo dia.
Hoje, a legislação já permite a compra dos imunizantes por pessoas jurídicas. No entanto, a regra é que todo o estoque deve ser doado ao SUS até que seja concluída a vacinação dos grupos prioritários.
Com essa primeira fase concluída, a regra muda: as empresas podem comprar, distribuir e aplicar as doses de vacina, mas metade do estoque tem que ser doada para o SUS. A outra metade pode ser aplicada de forma gratuita nos funcionários da firma, por exemplo.
A proposta aprovada pela Câmara flexibiliza essa exigência, permitindo que as empresas escolham uma entre duas contrapartidas:
*doar integralmente as doses
ao Sistema Único de Saúde (SUS) para serem usadas no Programa Nacional de
Imunizações (PNI); ou
*aplicar as doses
exclusivamente nos seus empregados (sejam eles funcionários, estagiários,
associados, autônomos ou prestadores de serviços), de forma gratuita, e doar a
mesma quantidade utilizada ao SUS.
Estabelecimentos de saúde
Relatora do texto, a
deputada Celina Leão incluiu nesta terça um dispositivo que permite a
contratação, pelas empresas, de estabelecimentos de saúde autorizados a
importar vacinas – hospitais, farmácias e clínicas particulares, por exemplo.
A relatora argumenta que uma lei de 1973 estabelece que apenas empresas licenciadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou por órgãos de vigilância sanitária estaduais podem importar ou exportar medicamentos e insumos farmacêuticos.
“A redação sugerida permite que tal importação seja realizada por qualquer pessoa jurídica de direito privado, ao contratarem estabelecimentos de saúde privados autorizados, como hospitais, farmácias e clínicas de vacinação, para que realizem a importação das vacinas contra a Covid-19”, diz o relatório.
Outros pontos do projeto
Autoridades estrangeiras: o
texto permite que as empresas adquiram não apenas vacinas que tenham
autorização ou registro na Anvisa, como também as vacinas autorizadas por
órgãos sanitários estrangeiros reconhecidos e certificados pela Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Multas: descumprimento das exigências pode levar à multa equivalente a dez vezes o valor gasto na aquisição de vacinas.
Aplicação das doses: as vacinas devem ser aplicadas em qualquer estabelecimento ou serviço de saúde que tenha sala para aplicação de injetáveis autorizada pelo serviço de vigilância sanitária local.
Sindicatos e cooperativas: o
texto prevê, ainda, a possibilidade de associações, sindicatos e cooperativas
adquirirem vacinas para distribuição, administração e imunização de seus
associados ou cooperados.
Discussão
Celina Leão defendeu em
plenário que o projeto é uma forma de mitigar os danos à economia do país.
Segundo ela, o texto não traz "inovação legislativa", apenas retira a
"trava jurídica" que exige a utilização pela iniciativa privada após
a imunização dos grupos prioritários.
"Hoje a lei é cínica, o que é uma lei cínica? Ela foi aprovada, nós permitimos o particular comprar, mas ela é inexequível, só pode comprar depois de os prioritários serem imunizados", disse Celina.
Autor do projeto, Hildo Rocha (MDB-MA) negou que o projeto “fura a fila” da vacinação, como argumentam os críticos da proposta.
“A cada um que uma empresa
vacinar, retiram-se dois da fila do SUS, retiram-se dois da fila do Plano
Nacional de Imunização. É isso o que as pessoas têm que compreender”, disse.
Ex-ministro da Saúde, o
deputado Alexandre Padilha (PT-SP) criticou a proposta e disse que ele retira
oportunidades de vacinas para o SUS e reserva os imunizantes para “quem tem
dinheiro para comprá-los”.
“Isso pode criar a situação absurda de atrasar ainda mais o Programa Nacional de Vacinação do nosso país, porque o governo federal, os governos estaduais e municipais vão perder oportunidade de comprar essas vacinas. Ao mesmo tempo, vai fazer com que pessoas furem a fila da vacinação”, argumenta.
Segundo o líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), a proposta pode aumentar o valor dos imunizantes.
“O que está faltando não é dinheiro do governo para comprar vacinas, o que está faltando é quem forneça as vacinas”, disse.
“Abrindo para o mercado privado, o preço da vacina vai subir porque mais gente estará querendo comprar. E se o preço não subir, evidentemente, quem pagar mais terá prioridade na entrega. Ou alguém tem dúvida que os laboratórios vão fornecer com mais agilidade para aqueles que pagarem mais caro?”, prosseguiu.
Por Elisa Clavery, Luiz Felipe Barbiéri e Marcela Mattos, TV Globo e G1