Comissão investiga distribuição de medicamento ineficaz contra Covid; Fiocruz, que produz remédio — para tratar malária —, informou que decisão sobre uso é do Ministério da Saúde
Após os depoimentos nesta
semana de dois ex-ministros (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich) e do atual
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, senadores da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) da Covid buscarão identificar as digitais dos responsáveis no
governo federal por compra, distribuição e estímulo ao uso de cloroquina, cuja
ineficácia para o tratamento da doença é cientificamente comprovada.
Na noite desta quinta-feira
(6), uma série de requerimentos de informações sobre produção, distribuição e
custos da cloroquina nos últimos anos foram direcionados a órgãos envolvidos no
processo, como o Exército e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que devem
apresentar uma resposta à comissão em um prazo de dez dias úteis.
Além disso, o próprio
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, depois de pressionado, admitiu à comissão
de inquérito que a cloroquina — originalmente adotada para o tratamento da
malária — pode provocar arritmia cardíaca.
Na última quinta-feira (6),
a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que produz o medicamento, encaminhou ofício
à comissão dizendo que o remédio visa o combate à malária e que a utilização da
cloroquina para o enfrentamento da pandemia “é uma decisão do Ministério da
Saúde."
Calheiros pede que a fundação
envie à CPI cópia dos processos administrativos e dos contratos de aquisição do
insumo para produção de cloroquina, o sal difosfato, entre 2017 e 2021. O
senador também pede o detalhamento do volume do sal difosfato utilizado a cada
ano de produção.
Há solicitações também para
que o Ministério da Saúde informe custos, fornecedores e datas da aquisição do
remédio, além da utilização dos comprimidos originalmente destinados para o
Programa Nacional de Controle e Prevenção da Malária para o combate à Covid-19.
Os pedidos ainda foram
enviados ao comando do Exército, que terá de informar qual foi a produção e
distribuição de cloroquina entre 2018 e 2021 pelo Laboratório Químico
Farmacêutico do Exército, com o detalhamento das datas e do destino do remédio.
Também foi questionada a origem dos pedidos às Forças Armadas para que fosse
realizada a produção de cloroquina em 2020 e 2021.
Outro requerimento,
elaborado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pede que o Ministério da
Saúde informe o estoque atual do remédio, além da validade, histórico de
remessas e destinatários e eventual tentativa de devolução.
Em depoimento à CPI na
última quinta-feira, o ministro Marcelo Queiroga informou não saber a
quantidade de cloroquina estocada
“Não sei se há esse estoque
de cloroquina no ministério. Posso buscar essas informações e trazer. Existe um
departamento de armazenamento de medicamentos que é um mundo”, afirmou o
ministro da Saúde.
Os senadores também tentam
demonstrar que o presidente Jair Bolsonaro atuou pessoalmente na propagação do
uso da cloroquina. Na última quarta-feira (5), o presidente chamou de
"canalha" quem é contra o chamado tratamento precoce.
A CPI solicitou que a
Presidência da República informe todas as reuniões realizadas desde 1º de janeiro
de 2020 para tratar, direta ou indiretamente, de qualquer tema relacionado à
pandemia. Terão de ser indicados assunto, datas, horário, local e relação de
participantes.
A estratégia ganhou reforço
após o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta ter afirmado à CPI que participou de
uma reunião no Palácio do Planalto na qual foi sugerida a edição de um decreto
presidencial para alterar a bula da cloroquina, a fim de tentar legitimar o uso
do remédio no tratamento da Covid.
Fiocruz: responsabilidade é
da Saúde
Em ofício enviado à CPI, a
Fiocruz ressaltou que não produz medicamentos destinados ao tratamento de
Covid-19, “uma vez que não há ainda tratamento específico para a doença”.
A Fiocruz ressaltou que a
produção de cloroquina visa “atender às demandas do Ministério da Saúde, as
quais são destinadas ao Programa Nacional de Controle da Malária” e que não é
atribuição da fundação a destinação final do medicamento.
“Cabe ressaltar, que todos
os ofícios encaminhados a este instituto pelo Ministério da Saúde estão
registrados da seguinte forma: ‘consultamos sobre a possibilidade desse
Laboratório de assumir a produção dos medicamentos discriminados abaixo e
conforme anexo, em atendimento ao Programa de Controle da Malária’, não estando
prevista, nas atribuições deste Instituto, a responsabilidade da destinação
final dada ao medicamento pelo órgão requisitante”, informou a Fiocruz.
Essas informações são as
mesmas encaminhadas pela Fiocruz ao Tribunal de Contas da União (TCU), que
apura se houve superfaturamento da produção de cloroquina.
Bolsonaro reage
Em publicação em uma rede
social nesta sexta-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro escreveu uma
“resposta aos inquisidores da CPI sobre o tratamento precoce”, cujo
"kit" inclui a cloroquina.
Bolsonaro defendeu que o
paciente tenha direito de escolher, junto com o médico, o tratamento a ser
adotado.
"Você é livre para
escolher, com o seu médico, qual a melhor maneira de se tratar. Escolha e, por
favor, não encha o saco de quem optou por uma linha diferente da sua, tá ok?”,
escreveu.
Além disso, na mesma
mensagem, fez referência ao ex-ministro Mandetta: "Uns médicos receitam
cloroquina; outros, a ivermectina; e o terceiro grupo (o do Mandetta), manda o
infectado ir para casa e só procurar um hospital quando sentir falta de ar
(para ser entubado)"
A menção ao ex-ministro da
Saúde Luiz Henrique Mandetta foi feita três dias após ele ter prestado
depoimento à CPI da Covid.
Na ocasião, Mandetta afirmou
que o presidente tem um “assessoramento paralelo” no combate ao coronavírus e
que participou de uma reunião na qual foi sugerida a edição de um decreto
presidencial para alterar a bula da cloroquina, passando a ter a previsão de
incluir o tratamento da Covid-19 no documento.
G1