9 horas de terror no Jacarezinho. Operação policial mais letal da história do RJ causa 28 mortes
O som de tiros no
Jacarezinho deixou moradores da favela e de bairros próximos aterrorizados
desde as primeiras horas da manhã de quinta-feira (6). Eram os primeiros
minutos da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. Agentes
da Polícia Civil ficaram na favela por nove horas - nove horas de terror para
quem vive na comunidade.
28 corpos foram contabilizados – 27 criminosos, segundo a polícia, e o policial civil André Frias, baleado na cabeça quando tentava retirar uma barricada.
"Esse despertador é o
pior despertador que existe. Não foi a primeira vez que aconteceu, mas tinha
bastante tempo que não acontecia aqui", lembrou uma moradora de um bairro
perto da comunidade, na Zona Norte do Rio.
Uma outra pessoa que vive no local classificou a situação da seguinte forma: "Sensação de impotência. Descontrole total". Áudios com pedidos de proteção se espalharam por aplicativos de conversas.
Vídeos feitos por moradores depois que o tiroteio cessou mostraram a destruição na favela. Mesmo sem tiros, os moradores do Jacarezinho continuavam em risco, com explosivos espalhados por ruas e vielas.
O tiroteio interrompeu serviços básicos, como transporte e atendimento médico em clínicas da família - e chegou a ferir duas pessoas no metrô. Quem queria comprar pão ou estava de casamento marcado precisou esperar para sair de casa, para não ser atingido por tiros.
"Estou desesperada... Meu casamento tá marcado para às onze horas da manhã e até o momento não consigo sair", lamentou uma noiva, que quase perdeu o próprio casamento.
Em meio à troca de tiros,
moradores do Jacarezinho relataram terem tido as casas invadidas por criminosos
e policiais.
"Um meliante invadiu a minha casa. Como eu moro na comunidade, eu não tenho como botar para fora, entendeu? Já estava baleado, ferido, e logo, assim atrás, chegou as polícias. Nisso eles entraram, perguntaram se tinha alguém, eu só balancei a cabeça que 'sim', porque eu tenho a minha família aqui dentro, e eles já saíram entrando e assassinaram o menino dentro do quarto da minha filha."
Denúncias de execução
Moradores também denunciam
que alguns dos suspeitos foram executados.
Em outra conversa divulgada,
um homem escreveu que estava encurralado.
Os relatos chegaram à
Defensoria Pública. “O rapaz foi executado no quarto da menina de 8 anos. Essa
família viu essa ação (...) Tinha uma poça de sangue nesse quarto, a cama dessa
criança lotada de sangue, inclusive a coberta que ela usa estava lá, nessa poça
de sangue. Essa menina está completamente traumatizada”, disse a defensora
Maria Júlia Miranda.
A polícia nega que tenha
havido execuções e diz que a ação foi planejada.
“’Pseudo entendidos’ de
segurança pública criaram uma lógica de que, quanto mais inteligência, menor o
confronto. Isso não funciona assim. Quanto mais precisa a informação, maior é a
resistência do tráfico (...) A Polícia Civil não age na emoção. A operação foi
muito planejada, com todos os protocolos e em cima de 10 meses de
investigação", disse o delegado Rodrigo Oliveira.
A denúncia e os alvos da operação
A denúncia do Ministério
Público do Rio de Janeiro (MPRJ) colocou como alvo da operação 21 pessoas –
sendo uma mulher e 20 homens. Todos, segundo os investigadores, exerciam a
função de "soldado" do tráfico e um deles era "vapor" -
responsável pela venda de droga.
Entre os alvos estão três
homens que morreram na operação, segundo a investigação:
- Richard Gabriel da Silva
Ferreira, conhecido como Kako, apontado como soldado com “armas de grosso
calibre”;
- Rômulo Oliveira Lúcio,
conhecido como Romuluzinho: apontado como soldado
- Isaac Pinheiro de
Oliveira, conhecido como Pee da Vasco, apontado como soldado e “braço armado da
organização”
Na entrevista coletiva após
a operação, representantes da Polícia Civil citaram o aliciamento de menores
para o tráfico como um dos motivos para a operação.
"As pessoas não têm
direito de namorar quem elas querem namorar. Se por algum motivo o tráfico
achar que o cidadão "A" não pode namorar o cidadão "B",
essa pessoa pode até perder a vida", afirmou.
Quase mil mortos após
restrições do STF
Desde que o Supremo Tribunal
Federal (STF) restringiu as operações em favelas do Rio em meio à pandemia, ao
menos 944 pessoas foram mortas por policiais.
O levantamento foi feito pelo G1 com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). O número de mortos por policiais tende a ser ainda maior, já que o ISP ainda não divulgou os dados de abril.
O levantamento leva em consideração todas as mortes cometidas por policiais, sejam em operação ou não, em todo o território do estado. Isso porque o instituto não tem um recorte de mortes ocorridas apenas em ações nas favelas.
A decisão do STF, do ministro Edson Fachin permitia operações em casos "absolutamente excepcionais" e foi publicada no dia 5 de junho de 2020.
G1